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quarta-feira, 8 de setembro de 2010

AUDIÇÃO Nº 1 - CARTOLA

Estou promovendo a primeira audição deste blog. E a abertura não poderia ser ninguém menos que o distinto senhor emoldurado pela Mangueira: Cartola

Angenor de Oliveira, mais conhecido como Cartola, (Rio de Janeiro, 11 de outubro de 1908 — Rio de Janeiro, 30 de novembro de 1980) foi um cantor, compositor e violonista brasileiro.

Foi junto com um grupo amigos sambistas do morro, que Cartola criou o Bloco dos Arengueiros, cujo núcleo em 1928 fundou a Estação Primeira de Mangueira. Cartola compôs também o primeiro samba para a escola de samba, "Chega de Demanda". Fez alguns sambas. Foi cultuado.

Depois de perídos difíceis, sumiu, havia sido dado como morto. Foi reencontrado em 1956 pelo jornalista Sérgio Porto (mais conhecido como Stanislaw Ponte Preta), trabalhando como lavador de carros em Ipanema. Foi Porto, que o levou a cantar novamente, levando-o a programas de rádio e fazendo-o compor novos sambas para serem gravados. A partir daí, o compositor é redescoberto por uma nova safra de intérpretes.

Em 1964, o sambista e sua nova esposa, Dona Zica, abriram um restaurante na rua da Carioca, o Zicartola, que promovia encontros de samba e boa comida, reunindo a juventude da zona sul carioca e os sambistas do morro.


Ainda em 1965, Cartola iniciou a construção de uma casa (verde e rosa) ao pé do morro da Mangueira, em terreno doado pelo então Estado da Guanabara. Naquele mesmo ano e no seguinte, fez participação em dois discos de Elizeth Cardoso, que gravou o samba "Sim" (parceria com Oswaldo Martins e Leny Andrade).




Cartola, no moinho do mundo
(Crônica de Drummond)


Você vai pela rua, distraído ou preocupado, não importa. Vai a determinado
lugar para fazer qualquer coisa que está escrita em sua agenda. Nem é
preciso que tenha agenda. Você tem um destino qualquer, e a rua é só a
passagem entre sua casa e a pessoa que vai procurar. De repente estaca.
Estaca e fica ouvindo.


Eu fiz o ninho.
Te ensinei o bom caminho.
Mas quando a mulher não tem brio,
é malhar em ferro frio.


Aí você fica parado, escutando até o fim o som que vem da loja de discos,
onde alguém se lembrou de reviver o samba de Cartola; Na Floresta (música de Sílvio Caldas).


Esse Cartola! Desta vez, está desiludido e zangado, mas em geral a atitude
dele é de franco romantismo, e tudo se resume num título: Sei Sentir.
Cartola sabe sentir com a suavidade dos que amam pela vocação de amar, e
se renovam amando. Assim, quando ele nos anuncia: "Tenho um novo amor", é
como se desse a senha pela renovação geral da vida, a germinação de outras
flores no eterno jardim. O sol nascerá, com a garantia de Cartola. E com o
sol, a incessante primavera.


A delicadeza visceral de Angenor de Oliveira (e não Agenor, como dizem os
descuidados) é patente quer na composição, quer na execução. Como bem
observou Jota Efegê, seu padrinho de casamento, trata-se de um distinto
senhor emoldurado pelo Morro da Mangueira. A imagem do malandro não
coincide com a sua. A dura experiência de viver como pedreiro, tipógrafo e
lavador de carros, desconhecido e trazendo consigo o dom musical, a
centelha, não o afetou, não fez dele um homem ácido e revoltado. A fama
chegou até sua porta sem ser procurada. O discreto Cartola recebeu-a com
cortesia. Os dois convivem civilizadamente. Ele tem a elegância moral de
Pixinguinha, outro a quem a natureza privilegiou com a sensibilidade
criativa, e que também soube ser mestre de delicadeza.


Em Tempos Idos, o Divino Cartola, como o qualificou Lúcio Rangel, faz o
histórico poético da evolução do samba, que se processou, aliás, com a sua
participação eficiente:


Com a mesma roupagem
que saiu daqui
exibiu-se para a Duquesa de Kent
no Itamaraty.


Pode-se dizer que esta foi também a caminhada de Cartola. Nascido no
Catete, sua grande experiência humana se desenvolveu no Morro da
Mangueira, mas hoje ele é aceito como valor cultural brasileiro,
representativo do que há de melhor e mais autêntico na música popular. Ao
gravar o seu samba Quem Me Vê Sorrir (com Carlos Cachaça), o maestro
Leopold Stockowski não lhe fez nenhum favor; reconheceu,apenas, o que há
de inventividade musical nas camadas mais humildes da nossa população.
Coisa que contagiou a ilustre Duquesa.




Mas então fiquei parado, ouvindo aa filosofia céptica do Mestre Cartola,
na voz de Silvio Caldas. Já não me lembrava o compromisso que tinha que
cumprir, que compromisso? Na floresta, o homem fizera um ninho de amor, e
a mulher não soubera corresponder à sua dedicação. Inutilmente ele a amara
e orientara, mulher sem brio não tem jeito não. Cartola devia estar muito
ferido para dizer essas coisas tão amargas. Hoje não está. Forma um par
feliz com Dona Zica, e às vezes a televisão vai até a casa deles, mostra
o casal tranqüilo, Cartola discorrendo com modéstia e sabedoria sobre
coisas da vida. "O Mundo é um moinho..." O moleiro não é ele, Angenor,
nem eu, nem qualquer um de nós, igualmente moídos no eterno girar da roda,
trigo ou milho que se deixa pulverizar. Alguns, como Cartola, são trigo
de qualidade especial. Servem de alimento constante. A gente fica sentindo
e pensamenteando sempre o gosto dessa comida. O nobre, o simples, não
direi o divino, mas humano Cartola, que se apaixonou pelo samba e fez do
samba o mensageiro de sua alma delicada. O som calou-se, e "fui à vida",
como ele gosta de dizer, isto é, à obrigação daquele dia. Mas levava uma
companhia, uma amizade de espírito, o jeito de Cartola botar lirismo a sua
vida, os seus amores, o seu sentimento do mundo, esse moinho, e da poesia,
essa iluminação.

Carlos Drummond de Andrade
(fonte:http://www.samba-choro.com.br/s-c/tribuna/samba-choro.0211/0704.html)

Não tenho mais a acrescentar pela excelência de Drummond. Mas tentarei com todas as minhas forças, as que me restam, incluir esta canção na Seresta de Olinda.

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