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quinta-feira, 16 de julho de 2009

Feiras livres

Feiras livres *

Gosto de feiras livres e mercados públicos. Um dia já tiveram seu ar de bolsa de valores. Sabe, quando tudo o que gira ali representa a economia? Pois, então! É assim mesmo que os vejo. Todo mundo ali debate sobre a situação do governo, sobre a vida e os acontecimentos mais marcantes, uns gastando e outros ganhando dinheiro... É o berço ignorado da ciência da economia e da política.

Conta-se que o Dr. Miguel Arraes, ex-governador, costumeiramente passeava entre as feiras do interior do Estado de Pernambuco para promover sua imagem. A técnica era simples. Num sábado qualquer – creio que todo leitor saiba como é feira de interior aos sábados – e o mais cedo possível, seu motorista parava em um lado da feira, o ex-governador descia do automóvel, e seguia pela rua da feira, acompanhado de no máximo dois seguranças. Era uma aparição andando entre os populares. A admiração é automática e geral. Um homem como os outros. Aperta mãos, toma um cafezinho, e segue tranqüilo até o fim da rua onde lhe espera o automóvel. Entra no carro e segue para a próxima cidade, repetindo o processo. E assim mantinha o encanto do velho “dotô Migué Arrai”, como ainda hoje é popularmente chamado. Muitos outros políticos não possuem o mesmo carisma. Embora tentem.

Passado o encanto, fica a feira. A vida comum de gente que desce dos sítios mais distantes para fazer compras. Um taco de fumo. Um “tubo” de aguardente. Tecido florido. CD de novela. Refrigerante. Cabo pra enxada. Anzol. Telefone celular, carne, botina, carteira, bombons... entre tantas outras necessidades. No fim do dia, sobem em uma caminhonete e seguem para suas casas. Alguns a comentar os preços, outros a sonhar com uma TV daquelas da vitrine. E outros empolgados com a visão do “Ôme”.

Em feiras livres urbanas tudo remete as lembranças da infância no interior, onde se via toda essa gente. Em mercados públicos, prevalece o cheiro das frutas e verduras, cheiro de corda de sisal, de fumo de rolo, de carne de porco, de peixe tratado, de pena de galinha, e de artefatos de couro, vassouras, defumadores, chás, cachaça... Tudo isso, sem falar nas cores e nos sons. Gente gritando, o verde do pimentão refletindo a luz do sol numa gota d’água, o perfume do caju, abelhas voando sobre a melancia exposta. E toda a gente anônima fazendo o seu papel no palco da vida.

Distante dali estão os supermercados modernos. Verdadeiros centros de compras. Onde gente comum só inicia diálogo quando a fila empaca porque a menina do caixa precisou trocar o rolinho de papel na máquina registradora, ou alguém travou a senha do cartão. Os anônimos deixam de existir para se tornarem consumidores atuantes.

Ali só reclamam a presença do Gerente. Alguém apenas orientado a corrigir erros se encontrados dentro do plano de ação da empresa. Esses desconhecem o bom-senso, pois seguem ordens e metas. Lá na feira tudo é mais simples. O feirante só põe a culpa no atravessador. O resto é o famoso jogo de cintura do brasileiro. Ninguém sai perdendo.

Em todo lugar existem vantagens e desvantagens. É só uma questão de escolha, assim como tudo na vida. E na feira mais que em qualquer outro lugar, você descobre isso logo cedo. Afinal, as cidades cresceram através dos tempos em torno de pão, trabalho e chumbo, tudo isso você ainda encontra em uma feira.


* Como só agora resolvi publicar esta, tive de passar alguns verbos para o passado. Dr. Miguel Arraes faleceu no Recife, 13 de agosto de 2005.

Um comentário:

  1. Interessante q esse texto tenha sido escrito antes de vc começar a incursionar pelo nordeste! De início achei q era resultado da sua visão de artista sobre a vida sertaneja. Senti falta de mais impressões sobre cores, aromas, sabores e formas; fica a sugestão. Vale ser redundante? Excelente!

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